sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Como o assistencialismo corrompeu a Suécia

As pessoas mais velhas na Suécia dizem que ser sueco significa saber como suprir as próprias necessidades, saber cuidar de si próprio e nunca ser um fardo para o ombro alheio. Independência e trabalho duro eram as qualidades básicas para se ter uma vida decente, e representavam, acima de tudo, a idéia básica da moralidade. Isso foi há menos de cem anos.

Minha falecida avó costumava dizer que algo de errado havia acontecido com o mundo. Ela tinha orgulho de jamais ter pedido ajuda, de sempre ter sido capaz de valer-se de si própria e de seu marido, e do fato de eles terem podido cuidar de sua família durante toda a vida. Ao falecer com a respeitável idade de 85 anos, tenho a felicidade de dizer que ela se foi com aquela dignidade ainda intacta. Ela nunca foi um fardo.

Minha avó, nascida em 1920, pertencia à última geração a ter aquele orgulho pessoal que é tão especial, a ter uma moralidade firme e profundamente enraizada, e que era autônoma e independente na vida, não importasse o que viesse — eram os senhores únicos do próprio destino. As pessoas da geração dela testemunharam e agüentaram uma ou duas guerras mundiais (apesar de a Suécia nunca ter participado de nenhuma) e foram criados por fazendeiros e operários suecos pobres. Eles testemunharam e foram a força motora por trás do "milagre" sueco.

Sua moralidade assegurava que eles poderiam sobreviver em quaisquer condições. Se eles se encontrassem em uma situação em que não fossem capazes de viver com seus salários, eles apenas iriam trabalhar mais pesadamente e por mais tempo. Eles eram os arquitetos e os operários da construção de suas próprias vidas, mesmo que isso frequentemente significasse trabalho duro e contínuas situações aparentemente desanimadoras.

Eles alegremente se disporiam a ajudar aqueles em necessidade, mesmo se eles tivessem muito pouco a oferecer, mas provavelmente não aceitariam qualquer ajuda que lhes fosse oferecida. Eles tinham orgulho da competência que tinham para cuidar de si próprios; eles apreciavam a independência em relação a terceiros, a independência de nunca ter de pedir ajuda. Eles achavam que se não fossem capazes de cuidar de si mesmos, então não teriam o direito de pedir auxílio a ninguém.

Entretanto, de alguma maneira, eles caíram nas promessas de políticos que diziam que iriam suprir "os fracos", uma categoria de pessoas que não existia naquela época: quem iria admitir ser incapaz de cuidar de si próprio? Mas eles eram pessoas trabalhadoras e de bom coração, e provavelmente pensaram que uma pequena contribuição para prover aqueles em condição muito pior seria uma ação típica de um Bom Samaritano.

Teoricamente, é talvez compreensível e até mesmo invejável. Seus pais e eles já estavam participando voluntariamente de grupos privados locais, arranjando apoio financeiro para aqueles que necessitavam de assistência médica ou que tinham perdido o emprego. Em tempos ruins, como recessões ou rápidas mudanças sociais, tudo isso era um grande ônus, embora voluntário e feito por interesse próprio. Uma versão em larga escala desse mesmo tipo de arranjos mútuos para ajudar terceiros provavelmente soou como uma boa idéia, mesmo que ela tivesse de ser financiada coercivamente através da tributação.

O problema é que nesse momento o estado assistencialista foi criado e ele iria mudar dramaticamente a vida das pessoas e afetar sua moralidade de maneira fundamental. Esse estado de bem-estar poderia ter sido um projeto de sucesso se as pessoas tivessem continuado tendo o orgulho e a moralidade de prover a si próprios e somente procurassem amparo se realmente necessitadas. Ou seja, a criação de um estado assistencialista possivelmente poderia funcionar em um mundo ceteris paribus, que é o que o estado assistencialista de fato presume. Mas o mundo está em mudança constante, e por isso um estado assistencialista requer que as pessoas sejam mais fortes e moralmente superiores às pessoas em sociedades que não possuem um estado assistencialista.

Esse conhecimento, entretanto, não havia sido adquirido — e ainda não foi. Ao invés disso, as pessoas pensaram que coisas como o orgulho pessoal pelo trabalho e pela família eram algo natural, algo que não precisava ser trabalhado e estimulado; por essa perspectiva, essa proposta política deve ter parecido um bom negócio. Tudo o que elas tinham de fazer, disseram-lhes, era deixar a política (e um pouco de poder) para os políticos. Esse argumento, lamento comunicar, ainda parece válido para o populacho sueco; os suecos normalmente saúdam propostas para dar mais poder aos políticos, e eles mesmos tendem a solicitar mais impostos.

A moralidade decente já se foi há muito. Foi completamente destruída em pouco mais de duas gerações — por benefícios públicos assistencialistas e pelo conceito de que há um direito ao assistencialismo.

Os filhos do estado assistencialista

Os filhos da geração dos meus avós, meu pais dentre eles, rapidamente aprenderam e adotaram uma nova moralidade baseada nos "direitos" assistencialistas oferecidos pelo sistema de seguridade social. Enquanto que a geração mais velha não aceitaria ser dependente de terceiros (incluindo receber benefícios assistencialistas do estado), eles não relutaram em enviar a geração mais nova para ser educada em escolas públicas. Certo estou de que eles nunca pensaram ser um "direito" ter seus filhos educados. Antes, eles aceitaram e agradeceram a oportunidade de seus filhos terem uma chance que eles mesmos nunca tiveram — uma educação "gratuita".

Assim, a geração de meus pais freqüentou escolas públicas onde a eles foi ensinado matemática e idiomas, bem como a superioridade do assistencialismo e a moralidade do estado. Eles aprenderam o funcionamento da maquinaria do estado assistencialista e adquiriram uma concepção (errônea) totalmente nova sobre direitos: todos os cidadãos desfrutam de um direito — simplesmente pelo fato de serem cidadãos — a educação, a saúde, ao seguro-desemprego e a seguridade social.

Ser um indivíduo — foi-lhes ensinado — significa ter direito a receber auxílios para suas necessidades individuais. Todo mundo tem direito a todos os recursos necessários para se buscar a felicidade própria e a da sociedade, foi-lhes dito. E todo mundo deve desfrutar do direito de colocar seus filhos em creches estatais enquanto estiver no trabalho, tornando-se possível para cada família ganhar dois salários (mas sem tempo suficiente para criar seus próprios filhos). As oportunidades para a "boa vida", pelo menos financeiramente, devem ter parecido colossais para as gerações mais velhas.

Essa nova moralidade permeou o populacho e se tornou o estado "natural" das coisas, ao menos em suas mentes. Essa geração, nascida durante as duas ou três décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, tornou-se consideravelmente diferente da geração de seus pais tanto moralmente como psicologicamente. Eles se tornaram habituados ao enorme crescimento econômico do pós-guerra (graças ao fato de a Suécia nunca ter entrado nas guerras) e aos cada vez maiores direitos assistencialistas concedidos por um estado em crescimento acelerado. (Para sustentar o crescimento do estado assistencial e satisfazer a demanda popular por benefícios, o governo sueco desvalorizou a moeda várias vezes durante as décadas de 1970 e 1980).

Os efeitos sobre a sociedade advindos do crescimento dessa geração e sua conseqüente entrada no mercado de trabalho foram principalmente dois: aumento da pressão pública para mais políticas progressivas; e um fracasso em larga escala, por toda a sociedade, em se criar filhos independentes e virtuosos, capazes de serem donos de si próprios pelo resto da vida.

A essa altura, a mudança moral e filosófica ocorrida na sociedade tornou-se aparente. Enquanto que no início do século XX os Social Democratas, um poder hegemônico na política sueca por todo o século (e além), haviam demandado cortes de impostos para tirar de sobre os trabalhadores um fardo desnecessário, hoje esse partido rapidamente se transformou em um tributarista feroz e defensor entusiasmado do assistencialismo, e segue pedindo por mais reformas especiais e "emancipadoras". A massa votante, filhos do estado assistencialista, dependentes do sistema, apoiou os aumentos de impostos, que rapidamente ultrapassaram 50%. E eles exigiram que os benefícios sociais, sempre às custas do contribuinte, fossem maiores que os impostos pagos.

A mudança política havida assim que os filhos do estado assistencialista cresceram e começaram a participar da política foi maciça. As revoltas estudantis de 1968, de cunho comunista, provavelmente representaram o pico dessa geração radical exigindo mais para si mesmo através da redistribuição estatal; eles não queriam assumir responsabilidade pessoal por suas vidas, nem jamais pensaram em ter de trabalhar arduamente para se proverem a si próprios. "Tenho necessidades", eles argumentavam, e dessa reivindicação eles diretamente inferiram ter o direito a ter essa necessidade satisfeita — fosse ela comida, abrigo ou um carro novo.

Considerando que meus pais misteriosamente parecem ter herdado muito da "velha" forma de moralidade, a maioria das pessoas da idade deles, e principalmente aqueles mais novos, são paradigmaticamente diferentes da geração de seus pais. Eles são filhos do estado de bem-estar social e são plenamente cônscios dos benefícios assistencialistas aos quais eles têm "direito". Eles não ponderam sobre de onde vêm esses benefícios, mas são bem céticos quanto a políticos os quais eles pensam que podem cortá-los. "Mudança" rapidamente se tornou uma palavra indesejável, já que ela necessariamente implica uma mudança no sistema no qual as pessoas dependem parasiticamente.

Com essa geração, o fato outrora tido como verdadeiro de que a produção precede o consumo foi substituído pela crença de que todos têm um "direito humano" natural e inviolável aos serviços assistencialistas oferecidos pelo estado. Através dos poderosos sindicatos, os suecos assalariados foram premiados com aumentos anuais, independentemente da produtividade real; e com o tempo, aumentos salariais anuais se tornaram uma normalidade. As pessoas que não conseguiam um aumento passavam a se considerar "punidas" por seus empregadores malvados, e assim começaram a haver demandas cada vez maiores para ajudas legais na batalha contra empregadores. As pessoas têm o "direito" a um salário melhor no ano seguinte, assim como o salário atual deve ser melhor que o do ano passado; e por aí vai o pensamento.

Essa mudança na percepção foi, como vimos, precedida por uma mudança nos valores. A mudança social também mudou as condições para a filosofia e, assim, novas e estranhas teorias destrutivas emergiram. As crianças dessa geração, nascidas nas décadas de 70, 80 e 90, tiveram em comum uma criação "livre" (baseada nos ideais de 1968), significando essencialmente uma infância "livre de regras" e "livre de responsabilidades". Para essa geração não há qualquer causalidade na vida em sociedade; o que quer que você faça não é sua responsabilidade — até mesmo ter filhos. Essa é a mentalidade dos atuais jovens adultos da sociedade sueca.

Os netos do estado assistencialista

Eu mesmo faço parte dessa segunda geração de pessoas criadas com e pelo estado assistencialista. Uma diferença significante entre a minha geração e a antecessora é que a maioria de nós não foi criada pelos nossos pais sob qualquer aspecto. Fomos criados pelas autoridades das creches estatais no período da infância; então fomos empurrados para as escolas públicas, depois para escolas secundárias públicas e universidades públicas; e mais tarde para o emprego no setor público e para mais educação através dos poderosos sindicatos e suas associações educacionais. O estado é uma presença constante em tudo, e para muitos ele é o único meio de sobrevivência — e seus benefícios assistenciais a única maneira possível de ganhar independência.

A diferença para as gerações mais velhas é obvia. Meus avós viveram em um mundo totalmente diferente, moral e filosoficamente, e meus pais ainda apresentam alguns vestígios herdados de meus avós, como aquele "velho" senso de justiça e a percepção do certo e do errado. Enquanto que os pais da minha geração estão apenas parcialmente estragados (o que já é ruim o suficiente), minha geração está totalmente sem rumo. Por não ter sido criada com os valores sólidos de nossos avós, mas sim com aqueles propagandeados pelo estado-babá, os netos do estado assistencialista não possuem qualquer entendimento de questões econômicas.

Para os "netos", uma percepção comum de justiça é que indivíduos têm o "direito" de reivindicar perpetuamente que a sociedade supra alguém com o que quer que esse alguém considere necessário (ou divertido). Em um recente debate ocorrido na TV estatal, os filhos e netos do estado assistencialista se encontraram para discutir desemprego e os problemas comuns enfrentados pelos jovens em crescimento e que estão entrando no mercado de trabalho. A exigência dos "netos" era literalmente que os "mais velhos" (nascidos nas décadas de 40, 50 e 60) saíssem de cena (isto é, parassem de trabalhar), porque o trabalho deles "roubava" empregos dos mais jovens!

A "lógica assistencialista" que sustenta tais exigências absurdas funciona mais ou menos assim: a premissa é que cada indivíduo tem o direito a ter uma boa vida. Disso pode se concluir que uma boa vida significa não ter que se preocupar com riquezas materiais, sendo por isso essencial receber benefícios assistencialistas e ganhar uma "independência" financeira. Independência financeira, por sua vez, requer um bom status, um alto salário e um emprego não muito exigente; donde se infere que um bom emprego é um direito humano. As pessoas que atualmente têm esses empregos literalmente ocupam essas posições e, portanto, estão no caminho e devem sair da frente — cada um deles, sem exceção, está violando meu direto àquele emprego. Isso faz com que cada um que tenha um bom emprego seja um violador de direitos e, portanto, um criminoso.

Todos sabemos o que pensar de criminosos: eles deveriam estar trancafiados. Tal sentença também é o que demanda um ainda muito pequeno, porém rapidamente crescente número de jovens na Suécia — sentença essa que deve ser aplicada em donos de negócios que não desejam contratá-los, ou em pessoas mais velhas que ocupam posições que esses jovens desejam. É "necessário" fazer leis mais progressivas.

Mas essa não é uma idéia apoiada apenas pela juventude ignorante. Em 2006, o sindicato nacional dos trabalhadores varejistas exigiu que o estado "redistribuísse" empregos oferecendo pensões estatais a pessoas com mais de 60 anos caso elas se demitissem e seus empregadores passassem a empregar pessoas jovens e desempregadas em seus lugares. Pelos cálculos do sindicato, tal truque "criaria" 55.000 empregos.

O que isso mostra é que a única maneira perceptível de se encontrar empregos para os mais jovens parece ser "liberando" os mais velhos dos seus; postos de trabalho estão escassos e o desemprego está subindo mesmo com a crescente demanda por bens e serviços — graças à pesada regulação estatal sobre o mercado. O estado assistencialista cria problemas e conflitos em vários níveis, forçando as pessoas a competir por fatias cada vez mais decrescentes de riqueza. A solução: mais regulamentação e menos prosperidade. Isso é o que acontece quando a necessidade e a vontade substituem o mérito e a experiência, tanto na moralidade pública como na pessoal.

Exigindo responsabilidade social

Essa moralidade degenerada e a falta de compreensão quanto à ordem natural e real das coisas também é evidente nas áreas que requerem responsabilidade pessoal e respeito para com o próximo. Os velhos hoje são tratados como um lastro, ao invés de como seres humanos e parentes. As gerações mais novas acham que têm o "direito" de não assumir responsabilidade pelos seus pais e avós — e com isso exigem que o estado os alivie desse fardo.

Consequentemente, os velhos na Suécia, em sua maioria, vivem deprimidos e solitários em suas casas, esperando que a morte chegue; ou já foram institucionalizados em asilos públicos sob vigilância 24 horas por dia, sete dias por semana, de modo a aliviar o encargo que representam para as gerações mais jovens. Alguns deles chegam a ver seus netos e parentes por apenas uma ou duas horas no Natal, quando as famílias fazem um esforço para ir visitar seus "problemas".

Mas os mais velhos não são os únicos que se encontram na periferia da sociedade assistencialista, enquanto o estado está cuidando da população ativa. O mesmo ocorre com os mais jovens, que também são entregues ao estado para receber cuidados públicos ao invés de serem criados e educados por seus pais.

Minha mãe, uma professora de escola secundária, já teve de enfrentar pais de seus alunos que exigiam que ela "fizesse algo" quanto à estressante situação familiar pela qual eles passavam. Eles exigiam que a "sociedade" se responsabilizasse pela criação de seus filhos, já que eles próprios já tinham gasto "muitos anos" cuidando deles. ("Cuidando" normalmente significa deixá-los na creche pública às 7 da manhã e pegá-los novamente às 6 da tarde).

Eles enfatizam espalhafatosamente ter o "direito" de serem aliviados desse encargo. Os problemas causados em casa por crianças desobedientes e fora de controle devem ser resolvidos nas salas de aula por funcionários da escola e em creches pela equipe do jardim de infância. As crianças devem ser vistas, mas não ouvidas; e elas não devem de modo algum atrapalhar o direito de seus pais a uma carreira, a longas férias no exterior e a participar de eventos sociais.

Com o intuito de manter a geração adulta trabalhando e criando riqueza que possa ser tributada (as alíquotas de impostos sobre os trabalhadores de baixa renda está em torno de 65% da renda), o estado assistencialista sueco continuamente lança programas progressivos para protegê-los de incidentes e problemas. A liberdade assistencialista representa uma existência livre de problemas, livre de responsabilidades e rica em benefícios.

O que estamos vendo hoje na Suécia é a conseqüência perfeitamente lógica do estado assistencialista: ao distribuir benefícios e, assim, liberar o indivíduo da responsabilidade individual por sua própria vida, um novo tipo de indivíduo é criado — o imaturo, irresponsável e dependente. Com efeito, o que o estado assistencialista criou foi uma população de crianças moral e psicologicamente dependentes — assim como pais que nunca deixam seus filhos enfrentar problemas, assumir responsabilidades e criar soluções sozinhos tornam seus rebentes mimados, em constantes necessidades e extremamente exigentes.

A analogia com as crianças mimadas está se provando verdadeira no cotidiano das pessoas que trabalham no setor público, que estão enfrentando as demandas da população. Já aprendi que não é incomum que jovens pais repreendam professores por acharem que o para casa é uma pressão "desnecessária" sobre os mais novos. As crianças têm o "direito" ao conhecimento, mas aparentemente elas não deveriam ser expostas à educação, já que esta requer estudo e esforço. A função dos professores é obviamente fornecer às crianças um conhecimento que elas possam consumir sem ter de refletir ou mesmo pensar a respeito (ou até mesmo estudá-lo). Ter de fazer algo por conta própria é "opressivo". Uma "obrigação", mesmo que seja um efeito das leis da natureza, é algo totalmente injusto e representa a violação do direito a uma vida livre de problemas. A natureza em si, junto com suas leis, se torna um "fardo".

A economia da dependência

Talvez essa mentalidade explique o aumento na popularidade de teorias irrealistas como o ceticismo e o pós-modernismo, onde nada pode ser tomado como verdadeiro. A lógica, alegam, é apenas uma construção social que não tem qualquer relação com a realidade ou com o mundo (se é que ela sequer existe). Essas teorias são magníficas pelo fato de elas jamais poderem ser provadas — ou refutadas. Não importa o que você diga, você jamais precisará se responsabilizar por sua declaração — ninguém pode verificar sua tese, ninguém pode criticá-la ou mesmo utilizá-la. Ela é sua e existe apenas pra você — e ela é verdadeira só para você.

A inutilidade de tais teorias deveria ser óbvia. Também deveria ser óbvio que os proponentes dessas teorias assumem que certas coisas, como a existência, são garantidas — eles vivem suas vidas baseando-se apenas em dúvidas e na "sabedoria" de que não há nada que alguém possa de fato saber, que nada é o que parece. Mas isso, ao que parece, deve ser a beleza da coisa.

De certo modo, a premissa austríaca de que "valores são subjetivos" foi tomada muito literalmente. Nessas teorias "modernas", a subjetividade é o princípio fundamental da realidade, e não a maneira como a realidade é avaliada ou percebida. Essa "compreensão" é inferida diretamente da moralidade relativa e de lógica relativa das crianças e dos netos do estado assistencialista. Não há necessidade que alguém produza para que um outro possa consumir — e não há necessariamente um ônus sobre aquele que deve fornecer os benefícios que eu preciso para poder viver a "boa" vida. Afinal, viver uma boa vida é um direito humano; sendo que o direito é o único ponto fixo em um universo em constante mudança e subjetivamente instituído.

Da perspectiva de um observador (como eu me considero), toda essa loucura faz sentido — ensinar as pessoas que elas não precisam se preocupar com as conseqüências de suas atitudes torna-as prontamente dependentes. O estado assistencialista criou o monstro egotista contra o qual ele alega querer nos salvar — através da distribuição de privilégios e benefícios para todos às custas de "ninguém".

Os engenheiros sociais do estado assistencialista obviamente nunca consideraram uma possível mudança na moralidade e na percepção — eles simplesmente queriam um sistema que garantisse seguridade para todos; um sistema no qual o capaz poderia e deveria trabalhar para sustentar a si próprio, e que o incapaz também pudesse viver uma vida digna. Quem iria imaginar que as reformas progressistas feitas para garantir direitos trabalhistas e prosperidade para todos no início do século XX iriam ricochetear e moral e filosoficamente?

Já deveria estar óbvio que nada saiu como esperado — a sociedade simplesmente não era tão previsível como foi previsto.

Essa nova moralidade é obviamente oposta àquela da geração dos meus avós. É uma moralidade que diz que a independência só pode ser atingida através da transferência de responsabilidades para terceiros, e que a liberdade só pode ser conquistada através da escravização de outros (e de si próprio). O resultado dessa moralidade degenerada por toda a sociedade é um desastre economicamente, socialmente, psicologicamente e filosoficamente.

Mas isso também é uma tragédia para milhares de suecos. As pessoas parecem incapazes de desfrutar a vida sem ter responsabilidade pelas próprias ações e escolhas, e é impossível sentir orgulho e independência sem ter os meios para se controlar o próprio viver. O estado assistencialista criou pessoas dependentes e totalmente incapazes de encontrar algum valor em sua existência; ao invés disso, eles se vêem incapazes de ter sentimentos tipicamente humanos como orgulho, honra e empatia. Esses sentimentos, junto com os meios para se criar um sentido para a vida, foram tomados pelo estado assistencialista.

Talvez isso explique por que uma grande parte da população jovem de hoje consome medicamentos antidepressivos, sem os quais eles são incapazes de funcionar normalmente em situações sociais. E presumivelmente isso explica por que o número de suicídios entre as pessoas bem jovens que nunca de fato conheceram seus pais está aumentando dramaticamente (o número total de suicídios permanecendo praticamente o mesmo). Ainda assim, as pessoas são totalmente incapazes de ver o problema ou achar uma solução. Como crianças mimadas, elas clamam ao estado por "ajuda".

Isso, minha avó nunca conseguiu entender. Que ela descanse em paz.

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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Entrevista direta no fígado: essa ministra deveria ser cogitada para ir para o Supremo. Infelizmente, não está. Mas vejam sua franqueza e coragem

A ministra Eliana Calmon, a corregedora do CNJ: "Eu sou uma rebelde que fala"

Amigos do blog, agora que a ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie se aposentou, aos 63 anos, e a presidente Dilma cogita de indicar para a vaga outra mulher, vejam se não é uma ótima ideia o nome da ministra do Superior Tribuna de Justiça Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão fiscalizador do Judiciário.

Leiam a entrevista que se segue, vejam a franqueza e a coragem da ministra Eliana Calmon. Não se me lembro de ter lido declarações de um magistrado sobre as mazelas e problemas do Judiciário tão sinceras e diretas como essas da incrível entrevista que a ministra concedeu ao jornalista Rodrigo Rangel, de VEJA — em setembro do ano passado. O título original é o que vai abaixo. Não percam.

Ah, antes que me esqueça: o nome da ministra NÃO está entre os cogitados pela presidente Dilma para o Supremo. Diante do que a ministra diz, vocês verão que isso não é surpresa.

A corte dos padrinhos

A nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça diz que é comum a troca de favores entre magistrados e políticos

A ministra Eliana Calmon é conhecida no mundo jurídico por chamar as coisas pelo que elas são. Há onze anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana já se envolveu em brigas ferozes com colegas — a mais recente delas com o então presidente Cesar Asfor Rocha.

Recém-empossada no cargo de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra passa a deter, pelos próximos dois anos, a missão de fiscalizar o desempenho de juízes de todo o país.

A tarefa será árdua. Criado oficialmente em 2004, o CNJ nasceu sob críticas dos juízes, que rejeitavam a ideia de ser submetidos a um órgão de controle externo. Nos últimos dois anos, o conselho abriu mais de 100 processos para investigar magistrados e afastou 34.

Em entrevista a VEJA, Eliana Calmon mostra o porquê de sua fama. Ela diz que o Judiciário está contaminado pela politicagem miúda, o que faz com que juízes produzam decisões sob medida para atender aos interesses dos políticos, que, por sua vez, são os patrocinadores das indicações dos ministros.

Por que nos últimos anos pipocaram tantas denúncias de corrupção no Judiciário?

Durante anos, ninguém tomou conta dos juízes, pouco se fiscalizou. A corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão.

A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura depende dessa troca de favores?

O ideal seria que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do Judiciário.

Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as nomeações são feitas pelo presidente da República?

Estamos falando de outra questão muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário. Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal.

A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro Cesar Asfor Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.

É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos. O STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar? Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um traficante? Há uma mistura e uma intimidade indecente com o poder.

Existe essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da política?

Para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político.

Mas a senhora, como todos os demais ministros, chegou ao STJ por meio desse mecanismo.

Certa vez me perguntaram se eu tinha padrinhos políticos. Eu disse: “Claro, se não tivesse, não estaria aqui”. Eu sou fruto de um sistema. Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem de primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República e ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.

No caso da senhora, alguém já tentou cobrar a fatura depois?

Nunca. Eles têm medo desse meu jeito. Eu não sou a única rebelde nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala. Há colegas que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de escolher um assessor sequer, porque já está tudo preenchido por indicação política.

Há um assunto tabu na Justiça que é a atuação de advogados que também são filhos ou parentes de ministros. Como a senhora observa essa prática?

Infelizmente, é uma realidade, que inclusive já denunciei no STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra para coibir. É um problema muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes.

E como resolver esse problema?

Não há lei que resolva isso. É falta de caráter. Esses filhos de ministros tinham de ter estofo moral para saber disso. Normalmente, eles nem sequer fazem uma sustentação oral no tribunal. De modo geral, eles não botam procuração nos autos, não escrevem. Na hora do julgamento, aparecem para entregar memoriais que eles nem sequer escreveram. Quase sempre é só lobby.

Como corregedora, o que a senhora pretende fazer?

Nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa doença que é a “juizite”.

sábado, 13 de agosto de 2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Branco, honesto, contribuinte, eleitor, hetero... Pra quê?

Ives Gandra da Silva Martins*

Hoje, tenho eu a impressão de que o "cidadão comum e branco" é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se autodeclarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.
Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.
Os índios, que, pela Constituição (art. 231), só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 185 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele.. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não-índios foram discriminados.
Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.
Os homossexuais obtiveram do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências - algo que um cidadão comum jamais conseguiria!
Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem esse 'privilégio', porque cumpre a lei.
Desertores, assaltantes de bancos e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' aqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.
E são tantas as discriminações, que é de perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º da Lei Suprema?
Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios.


( *Ives Gandra da Silva Martins é renomado professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo ).

INCISO IV DO Art. 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL A QUE SE REFERE O DR. IVES GRANDA, NA ÍNTEGRA:
"promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".
(Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)

domingo, 26 de junho de 2011

Eles trocam carreiras promissoras por uma vocação: ensinar - Educação - Notícia - VEJA.com

Eles trocam carreiras promissoras por uma vocação: ensinar
Recrutados pelo programa Ensina!, jovens formados nas melhores universidades do país começam a lecionar nas piores escolas públicas
Nathalia Goulart
Reprodução

Jovens fazem parte da primeira turma recrutada pelo Ensina! (Divulgação)

Para o engenheiro aeronáutico Lúcio Carlos Signore Júnior, de 23 anos, recém-graduado pela respeitada Universidade de São Paulo (USP), conseguir uma colocação no mercado de trabalho não é tarefa difícil. Antes mesmo de se formar, ele recebeu duas propostas de emprego. Recusou ambas. Optou, então, por uma carreira a que jovens como ele – egressos de cursos concorridos das melhores instituições de ensino superior do país – dificilmente aspiram. Desde janeiro, Lúcio ensina matemática para crianças da oitava e nona séries do ensino fundamental em duas escolas municipais localizadas na favela carioca Cidade de Deus, a mesma que inspirou o filme homônimo. Não se trata de trabalho voluntário. Para conseguir o emprego, Lúcio enfrentou um processo seletivo rigoroso, cuja concorrência chegou a 75 candidatos por vaga, promovido pela organização não-governamental Ensina!.

O programa traz para o Brasil a fórmula bem-sucedida do Teach For America, em atividade há duas décadas nos Estados Unidos e que já se espalhou por vinte países. A proposta é recrutar os melhores estudantes das melhores universidades e treiná-los para lecionar nas piores escolas do ciclo fundamental de seus países por dois anos. "Para que esses jovens abracem a causa, é preciso que descubram o impacto que podem exercer sobre alunos do ensino básico. Nesse sentido, a experiência em sala de aula é insubstituível: graças a ela, eles se sentem inspirados a trabalhar pela mudança, onde quer que estejam, pelo resto de suas vidas", diz a americana Felicia Cuesta (leia entrevista completa), uma das diretoras do Teach For All, rede que integra todos os programas inspirados no Teach For America espalhados pelo mundo.

O Rio foi a primeira cidade brasileira a abraçar a ideia e testar o formato. Desde o início do ano letivo corrente, Lúcio e outros 31 jovens oriundos de instituições nacionais conceituadas lecionam em 14 escolas municipais da capital fluminense que acumulam notas baixas no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), sistema do governo federal que afere a qualidade do ensino nas escolas brasileiras. Nas unidades em que Lúcio leciona, por exemplo, as notas variam entre 2,8 e 3,4, em uma escala de zero a dez. A média nacional para os anos finais do ciclo fundamental de ensino (sexto a nono anos) é 4.

Em sala de aula, os jovens professores ensinam português, matemática e ciências. As aulas de roforço acontecem no contraturno, ou seja, durante a manhã, os alunos assistem ao curso regular e, à tarde, voltam à sala para repassar os ensinamentos com os professores do Ensina!. Antes de entrar na sala de aula, os jovens mestres foram treinados por professores e diretores das instituições de ensino. Com eles, aprenderam técnicas de planejamento de aulas e avaliação de alunos. Continue a ler a reportagem

A primeira avaliação dos professores será conhecida no segundo semestre. Mas o exame preliminar é animador. No curso de verão, aplicado pelos novos professores durante três semanas dos meses de janeiro e fevereiro, 118 crianças compareceram às aulas. O resultado foi um acréscimo de 2,6 pontos na média dos participantes. "Nossa meta era ver a nota das turmas subir dois pontos. Superar essa expectativa em um prazo tão curto é emocionante", conta Maíra Pimentel, diretora executiva do Ensina!.

Se seguir os passos do Teach For America, o programa brasileiro colherá resultados ainda melhores. Um estudo americano recente constatou que alunos de professores oriundos do programa obtêm desempenho até três vezes superior ao dos demais estudantes. Pesquisas brasileiras colhem resultados semelhantes. Após reunir estudos locais sobre ensino, o movimento Todos pela Educação, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, concluiu que o aprendizado de alunos de uma mesma escola varia de acordo com a qualidade das instituições superiores nas quais se formaram seus mestres. Outra conclusão do Todos pela Educação: quando orientados e bem treinados, profissionais com formação superior "podem tornar-se excelentes professores" – ainda eles não possuam licenciatura, curso que habilita o profissional a lecionar no ciclo fundamental de ensino. É o caso do grupo do Ensina!.

A constatação de que graduados bem treinados dão bons professores é um dado especialmente relevante para o Brasil. Por aqui, 22% dos profissionais do ensino fundamental nunca pisaram em uma universidade. Entre os que chegaram ao curso superior, meio milhão ensina no ciclo básico disciplinas que nunca estudou na faculdade. Ou seja: pode ser de grande ajuda a participação dos jovens do Ensina! e de outros programas que eventualmente repitam o modelo. Os jovens professores podem ainda ser um incremento importante ao modelo de ensino, avalia Verônica Boix-Masilla, professora da Faculdade de Educação da Universidade Harvard e pesquisadora de projetos inovadores na área. "Para muitos educadores, disciplinas como história e biologia passam, com o tempo, a ser vistas apenas como uma coleção de informações que atendem exigências curriculares. Nesse contexto, recrutar os melhores profissionais recém-formados pode ser uma chance de refrescar a abordagem dessas matérias em sala de aula."

Há, contudo, quem questiona a adoção do formato por longo prazo. É o caso de Márcia Malavasi, coordenadora do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Todo tipo de ajuda é bem-vinda na educação, pois essa é uma área carente de melhorias", diz "Porém, programas como esse não podem ser uma desculpa para o governo deixar de investir na capacitação de professores concursados e naqueles que ainda estão nos cursos de pedagogia. O Ensina! deve ser suporte e não substituição." Continue a ler a reportagem
Arte Ensina Teach for America



A "importação" do Ensina! para o Brasil começou há quatro anos, quando pós-graduandos e profissionais do setor privado preocupados com a (má) qualidade da educação brasileira conheceram o Teach for America e suas crias pelo mundo. A primeira oportunidade de colocar a ideia à prova em terras brasileiras surgiu no ano passado, com uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação carioca. Todos os custos do programa, inclusive o salário dos jovens professores, que gira em torno de 2.000 reais (o piso nacional do professor é de 1.187,97 reais), são bancados por patrocinadores privados como o gigante da internet Google e a consulturia McKinsey.

Assim que o processo de seleção de professores foi aberto, veio a primeira surpresa: 2.400 jovens recém-formados em universidades de ponta demonstraram interesse por uma das 32 vagas oferecidas. Daí, a relação de 75 profissionais para cada posto. É uma disputa mais acirrada do que a travada entre os candidatos à carreira de medicina no vestibular da Fuvest: 49,25.

A procura supreende ainda mais quando se considera que o programa não oferece uma carreira a longo prazo – os contratos do Ensina! se restringem a dois anos – e que a carreira de professor é uma das menos desejadas pelos brasileiros. Levantamento feito pela Fundação Victor Civita revelou que apenas 2% dos estudantes do ensino médio desejam encontrar na universidade uma carreira ligada ao ensino. "Quando um jovem recém-formado com boas perspectivas profissionais aceita um trabalho de dois anos dentro de uma sala de aula de escola pública, ele demonstra ousadia", resume Maíra Pimentel, do Ensina!.

Nos Estados Unidos, os jovens têm ainda um incentivo extra para mergulhar no Teach for America: as empresas valorizam tal experiência. Pesquisas de mercado mostram que o programa é atualmente responsável por alavancar carreiras. De acordo com a revista Business Week, a instituição já é considerada pelos universitários americanos como uma das princiapais portas de entrada para o mercado de trabalho. Não à toa, a Universidade Harvard estima que 18% de seus formandos devem se candidatar a uma vaga no Teach For America; em Princeton, a taxa de adesão deve ser de 16%.

Até o ano passado, o programa americano já havia recrutado mais de 20.000 jovens talentos. Desse total, 61% escolheram seguir na área da educação e mais de 35% ainda atuam como professores, mesmo após o período de dois anos. Por aqui, o fenômeno pode se repetir, garante Vanessa Gomes Sampaio, de 23 anos, analista de relacões internacionais que abraçou o projeto. "Estar diariamente em uma sala de aula é desenvolver constantemente minha capacidade de liderança. Vou carregar essa habilidade para toda a minha vida profissional, seja ela dentro ou fora da sala de aula."

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Que justiça é essa? 1 dia de prisão...

“De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto”

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Uma foto do Brasil

No dia 10 de maio, uma professora, Amada Gurgel, falou em audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte meia dúzia de verdades que desenharam em parte o cenário da educação no País.

Às autoridades presentes restou o silêncio diante das palavras de uma brasileira angustiada.

As seguintes: "Durante cada fala aqui eu pensava em como organizar a minha fala. Porque são tantas as questões a serem colocadas e tantas as angústias do dia a dia de quem está em sala de aula, que eu queria pelo menos conseguir sintetizar minimamente essas angústias.

"Como as pessoas sempre apresentam muitos números e dizem que eles são irrefutáveis, eu gostaria também de apresentar um número que é composto por três algarismos apenas, bem diferentes de tantos números que são apresentados aqui com tantos algarismos: é o número do meu salário, R$ 930, com nível superior e especialização.

"Eu perguntaria a todos aqui, mas só respondam se não ficarem constrangidos, se vocês conseguiriam sobreviver ou manter o padrão de vida que vocês mantêm, com esse salário. Certamente não conseguiriam.

"Não é suficiente nem para pagar a indumentária que os senhores e as senhoras utilizam para poder frequentar esta Casa. A minha fala não poderia partir de um ponto diferente, porque só quem está em sala de aula, só quem pega três ônibus por dia para chegar a seu local de trabalho é que pode falar com propriedade.

"Fora disso, qualquer consideração aqui é apenas para mascarar uma verdade visível a todo mundo: em nenhum governo, em nenhum momento no nosso Estado, na nossa cidade, no nosso país a educação foi uma prioridade.

"Então, me preocupa muitíssimo a posição da maioria, inclusive da secretária (de Educação) Betânia Ramalho, de não falarmos sobre a situação precária porque isso todo mundo já sabe.

"Como assim, não vamos falar da situação precária? Gente, estamos aceitando a condição precária da educação como uma fatalidade?

"Estão me colocando dentro de uma sala de aula com um giz e um quadro para salvar o Brasil, é isso?

"Salas de aulas superlotadas com os alunos entrando com uma carteira na cabeça porque não têm carteiras nas salas e sou eu a redentora do País? Não tenho condições, muito menos com o salário que recebo.

"A secretária disse que não podemos ser imediatistas, que precisamos pensar a longo prazo. Mas a minha necessidade de alimentação é imediata. A minha necessidade de transporte é imediata, a necessidade dos alunos de ter uma educação de qualidade é imediata.

"Eu gostaria de pedir aos senhores que se libertem dessa concepção extremamente equivocada, e digo isso com mais propriedade do que os grandes estudiosos: parem de associar a qualidade da educação com professor dentro da sala de aula.

"Não há como ter qualidade em educação com professores trabalhando em três turnos seguidos, multiplicando seus salários: R$ 930 de manhã, R$ 930 de tarde, R$ 930 de noite para poder sobreviver. Não é para andar com bolsa de marca nem para usar perfume francês.

"É para pagar a alimentação de seus filhos, para pagar a prestação de um carro que muitas vezes compram para se locomover mais rapidamente entre uma escola e outra.

"Não me sinto constrangida de apresentar meu contracheque, porque penso que o constrangimento deve ser de vocês.

"Lamento, mas deveriam todos estar constrangidos. Entra governo e sai governo e o que se solicita de nós é paciência e tolerância.

"Quero pedir à secretária paciência também porque nós não aguentamos mais esse discurso.

"Não podemos ser responsabilizados pelo caos que na verdade só se apresenta para a sociedade quando nós estamos em greve, mas que está lá todos os dias dentro da sala de aula, em todos os lugares.

"São muitas questões mais complexas que precisariam ser postas aqui. Mas infelizmente o tempo é curto e é isso que eu gostaria de dizer em nome dos meus colegas que pegam três ônibus para chegar ao local de trabalho, em nome dos estudantes que estão sem aula agora por causa da greve, mas que ficam sem aula por muitos outros motivos."

É isso. Embora não seja apenas isso.
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo