segunda-feira, 17 de maio de 2010

Saúde Pública - Um dia no CRE e outro no HU

Um dia no CRE e outro no HU
Acabo de ouvir o jornalista Alexandre Garcia dizer que “infelizmente, nada vai melhorar se nos omitirmos” . E ele estava falando de um hospital público do Paraná.
Betinho também dizia: Só a participação cidadã é capaz de mudar o país
E é assim mesmo. Nosso dever é denunciar, reclamar, insistir incansavelmente nessa trajetória histórica da cidadania. Desde as primeiras reuniões em praça pública, na Grécia, somos nós, os cidadãos (moradores das cidades) que temos que “resolver” nossas questões.
Lembrando o longo percurso da cidadania, a possibilidade de tornar-se cidadão foi uma conquista que levou séculos e esteve ligada a diversos interesses históricos. A partir do século 18 e com o fim do Absolutismo, começa a nascer um novo tipo de Estado: O Estado de Direito, onde todos são iguais perante a lei.
Mas, a luta continua. Ser cidadão não é só ter uma certidão de nascimento. É ajudar a criar novas realidades. É ser agente de mudança. É estar imbuído em construir um mundo ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito.
É também construir consciências.
É tarefa que não termina. Não é como um dever de casa, onde faço a minha parte, apresento e pronto, acabou. Enquanto seres inacabados que somos, sempre estaremos buscando, descobrindo, criando e tomando consciência mais ampla dos direitos.
Então, vamos fazer a nossa parte .
Embora já possamos constatar a diferença do perfil do profissional médico, tanto no atendimento no PAC como no HU, ainda falta bastante para que sejamos dignamente atendidos pelo Setor Público, que existe para nos atender. Sua missão - a razão de sua existência – é prestar um serviço a nós, cidadãos. Nós, cidadãos, somos o foco.
Contarei duas histórias, uma vivida no HU (Hospital Universitário) e a outra no CRE (Centro Regional de Especialidades).
Acompanhei uma pessoa idosa para consulta no HU. É bom comentar que o atendimento dos médicos residentes tem sido impecável. Mas, para ser atendido, há que ser encaminhado pelo UBA (Unidade Básica de Atendimento) e o agendamento pode demorar bastante. Mas, chegado o dia agendado (um dia de fevereiro) , rumamos ao HU, às 7 da manhã, para poder ser um dos primeiros. Fomos atendidos às 11:30 h e o médico achou melhor pedir outra endoscopia. Nova fila, para agendamento do exame. Chegada a vez, o idoso mostra à atendente o pedido do médico e ela, consultando o Sistema, pergunta: “Por que o senhor quer fazer outra endoscopia?” (o paciente havia feito o primeiro exame em dezembro). Continua: “O senhor não veio em dezembro? Por que?” E eu intervenho, dizendo: “Ele veio, sim, mas o médico pediu novo exame.” Ela pergunta: “Mas por que? “ E aí dizemos, juntos, que não poderíamos responder, que somente o médico deveria saber o motivo. Ela considerou a resposta “mal-educada” e reclamou da “nossa grosseria”.
Constrangidos diante desse tratamento, resolvi pedir para falar com a encarregada do setor. Contei-lhe o sucedido e ela respondeu, de forma autoritária e grosseira: “Vocês sabem quanto a estagiária ganha para atender esse monte de gente? Seiscentos reais! “
Calei-me, claro, diante de tamanho despreparo.
Mas, insistindo em minha condição de cidadã civilizada e sonhadora, tentei falar com o Prof. Pompeu. “Qual é o assunto?”, perguntou-nos outro atendente. “Reclamação”, dizemos. “Ligue para a Ouvidoria”, informou.
Chegando em casa, tentei comunicar-me por telefone, mas não foi possível. Consegui o e-mail da Ouvidora e fiz um relato sucinto, acompanhado de elogios aos dirigentes pelas grandes mudanças havidas no HU.
Senti-me aliviada por ter colaborado com a administração do Hospital, pois se estivesse no lugar do administrador, ficaria agradecida em poder melhorar o atendimento, preparar os estagiários para esse mercado tão competitivo, que, aliás, é tarefa implícita da empresa que contrata o estagiário.
Nunca recebi nenhum retorno dessa minha contribuição cidadã. Será que se ofenderam também?
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No CRE
Depois de aguardar muito tempo para ter um agendamento com médico cardiovascular, partimos para a esperada consulta. Saimos às 6 da manhã e ao chegar no CRE vimos que já era tarde, pois havia muita gente aguardando o mesmo profissional - idosos que já haviam estado na semana anterior e o médico não tinha podido atendê-los. Depois de verificar o documento pessoal e o Cartão do SUS, a atendente pede a folha de encaminhamento do Posto. O idoso não a encontra e apesar de constar na agenda o nome do paciente, a atendente diz: “Se o doutor estiver de mal-humor, ele não atende sem encaminhamento.” Enquanto esperamos, vamos pedindo a Deus que o doutor esteja de bom humor. São 8 horas e o doutor não chegou. Às 9 h, uma das atendentes (essas, sim, amáveis) avisou que o doutor estava fazendo uma cirurgia de emergência. Os idosos que haviam estado na semana anterior falaram logo: “OUTRA VEZ?” Eram 10:30 h e resolvemos não arriscar. Voltamos para casa, pedindo a Deus que o problema de saúde se resolva pela fé.
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Uma outra observaçãozinha: Contando essa história do CRE a algumas pessoas, disse-me uma ex-secretária de médico que seu antigo chefe gostava muito de videogame e internet e pedia que ela avisasse os pacientes que ele estava em cirurgia urgente.
Izabel Dietrich de Vergara
Simples cidadã

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Alegrias da velhice, João Ubaldo Ribeiro

Até ficar velho, operação antigamente simples e natural, resumível na venerável sentença 'quem não morre fica velho', está se tornando cada vez mais complicado, a ponto de, receio eu, causar algumas crises de identidade nesse cada vez mais vasto contingente da população. Acho que vou sugerir a criação, nas faculdades de Filosofia, de um curso de epistemologia da velhice, porque a confusão, pelo menos entre os menos ilustrados, como eu, aumenta a cada dia. Talvez até os próprios geriatras se beneficiem desse estudo, porque tenho praticamente certeza de que, entre eles, há divergências sobre o conceito de 'velho'.

A mim, confesso, já enche um pouco o saco esse negócio. Começou, se não me falham os rateantes neurônios, com essa conversa de terceira idade, inventada pelos americanos, que são muito bons de eufemismo, como testemunha a exemplar frase 'lide com preconceito extremo', que, dizem, a CIA usava quando ordenava um assassinato. Passou a não pegar bem chamar velho de velho mesmo e agora a velharada é agredida com designações tais como 'boa idade', 'melhor idade', 'feliz idade' e outras qualificações ofensivas. E, dentro dessas categorias, já me contaram que há subcategorias. Ninguém mais é velho, fica até feio o sujeito hoje em dia dizer que é velho.
De minha parte, reivindico apenas alguns direitos, entre os quais devo ressaltar não ser obrigado a entrar na fila dos idosos dos bancos. Aliás, a não entrar em fila de idoso nenhum, a não ser que, na hora, o que raramente sucede, isso apresente alguma vantagem. Fila de banco é uma furada séria, porque não só alguns de nossa variegada turma ou são surdos ou requerem primeiros socorros se começam a lhes explicar o que significa 'o sistema caiu', por exemplo. Me contaram que, numa agência aqui do bairro, uma senhora teve um pitaco, porque pensou que isso queria dizer que o banco falira e suas economias de viúva tinham ido juntar-se à vaca no brejo.
Imagino que, pelo tom acima, que talvez alguém entre vocês tenha antecipado que vou lembrar outra vez o que Jorge Amado, entre as incontáveis peças de sabedoria que me presenteou ao longo de nossa convivência de décadas, me disse a respeito da velhice. Aliás, vou dar um furo de reportagem - sou do tempo do furo de reportagem, espero ser cumprimentado pela direção do jornal. Jorge não me falou somente uma vez sobre a velhice, embora não fosse seu assunto favorito. Há muitas outras frases, mas não se destaca entre elas somente a que divulguei aqui: 'Compadre, já me falaram muito das alegrias da velhice, mas ainda não me apresentaram a nenhuma.' Teve outra, saquem agora o tremendo furo: 'Compadre, não importa o que lhe digam, a gente não aprende nada com a velhice; a única coisa que a gente aprende com a velhice é que velhice é uma merda.'

Entrevendo os setentinha a média distância, temo que, como tudo mais que o compadre me ensinou, isso tudo seja a impiedosíssima verdade. Pode ser que, a depender da categoria empregada, eu não seja velho (cartas sobre o que é ser velho, principalmente as escritas por velhos como eu, que vão dizer que a velhice está na mente etc., etc., para o editor, por caridade), mas, outro dia, não lembro onde, fui descer dois degraus do palco aonde havia antes subido e quatro jovens pressurosas me apararam as costas e me seguraram os cotovelos como se eu fosse um hipopótamo paraplégico tentando um salto ornamental. Eu talvez pareça um hipopótamo paraplégico, mas sou no máximo uma anta com artrite e ainda tenho lepidez bastante para descer um meio-fio com relativa confiança. (A velhice não está na mente, está nas juntas.)
Quanto ao aspecto didático da velhice, também parece confirmar-se o que me falou meu amigo. A vida pode ensinar alguma coisa e geralmente ensina, embora quase sempre a gente aprenda tarde demais - besteira, esse negócio de 'nunca é tarde demais', costuma ser tarde demais mesmo. Mas a velhice mesmo só ensina o que ele disse. Certo, talvez eu não seja velho o suficiente para esta confirmação, mas os indícios são claros. Calçar meias, para citar um caso, já me parece uma modalidade olímpica e nem me passa pela cabeça alcançar um centésimo do índice. Um dos meus joelhos volta e meia faz um barulho alarmante, dói uma besteirinha e depois volta ao silêncio enigmático com que minhas noites são atormentadas por visões de ossinhos se esfarelando, enquanto eu vou à banca de jornal. E por aí vai, o pudor me cala.

Mas Jorge não testemunhou o que hoje testemunho. As alegrias da velhice, afinal, não são meramente individuais. E não é que agora vejo o Brasil a transformar-se mesmo num grande canteiro de obras? Falam até que o Bolsa Família será gradualmente extinto, pois o governo vai chamar cada beneficiário e dar a ele um emprego. Claro, não há empregos nem para os que estão fora do BF, mas também não se pode querer tudo. E as coletividades que agora verão instalar-se a concórdia e a prosperidade, através dos Territórios da Cidadania? Até mesmo as eleições municipais, freqüentemente causa de rancor e hostilidade, deverão ser bem mais tranqüilas. E, finalmente, o Big Brother Brazil deixou de ocupar o primeiro lugar entre as contribuições do Brasil para o progresso da Humanidade neste século. Agora, através da visão e da generosidade do Nosso Guia, o Brasil deu um passo muito à frente de Orwell e até do BBB. Não disse ele que d. Dilma Roussef é a mãe do PAC? O PAC não é o nascimento de um novo Brasil, para o povo e não para a Zelite? Então, além do Nosso Guia, temos a nossa Big Mother. Perfeito, até do ponto de vista psicanalítico. A única desvantagem sobre o BBB é que eles não deixam a gente ver o que eles fazem, mesmo entrando compulsoriamente para o pay-per-view.